JACQUELINE JONER
Entrevistas
A Pele Rural
postado em 09/02/07
As imagens dos fotógrafos, colonos e das terras gaúchas.
“A Pele Rural” é uma exposição fotográfica formada por 99 imagens, captadas durante viagens no interior do Rio Grande do Sul pelo Khaos – Grupo de Fotografia da Unisinos - numa parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Os integrantes do Khaos, Rafael Reck, Anna Carolina, Leonardo Remor, Tiago Coelho, Denise Silveira, Rita Rosa, Cândida Lucca e Ângela Alegria passaram 30 dias, 3.000 km e 5.000 cliques, buscando as diferenças, as semelhanças e, principalmente, a intimidade com o homem trabalhador da terra: o branco, o negro e o vermelho.
A professora Jacqueline Joner, que tem obras na Coleção de Fotografia Brasileira Masp/Pirelli, do Museu de Arte de São Paulo, fez o trabalho de curadoria d’A Pele Rural e dá o suporte para os “alunos” desenvolverem um trabalho em que as questões técnicas da fotografia andam de mãos dadas com a linguagem, com a discussão estética da imagem.
A viagem/trabalho passou por comunidades rurais de quilombolas, como Casca, em Mostardas, município do Rio Grande do Sul, onde moram 90 famílias de negros em 2640 hectares. Os brancos, minifundiários, fruto da miscigenação de alemães, italianos e poloneses foram encontrados nos arredores de Santo Cristo, pequena cidade no noroeste do estado. Nas areias do assentamento Lagoa do Junco em Tapes, as cores se somam numa fértil cooperativa. E no Salto do Jacuí, na região dos vales, os vermelhos índios Guaranis habitam uma aldeia de 274 hectares. 39 famílias, 152 habitantes.
A seguir, a professora e foto jornalista Jacqueline Joner fala sobre a importância do exercício do olhar, da sua carreira e dos caminhos que o Fotojornalismo passou, suas imagens são da década de 70, da cor e do valor “emocional” das imagens preto e branco. Uma aula de fotografia !
Entrevista concedida a Thereza Dantas
Quando inicia o projeto de captura de imagens de trabalhadores rurais? Quando os alunos iniciam?
Acho que você quer saber quando eu iniciei, não é?
Meu início foi em 1976 aos 23 anos - na mesma época que engravidei de meu primeiro filho, Pedro. Trabalhava na Cooperativa dos jornalistas de Porto Alegre onde fui fotógrafa/ editora de fotografia das vinte e tantas publicações editadas lá - entre elas o COOJORNAL - formada por um grupo grande de jornalistas de esquerda, claro! Não sei se você conheceu. Nem se tem idade suficiente para tanto. Estávamos em plena Ditadura. Dura mesmo! Alguns dos nossos colegas jornalistas estiveram inclusive presos em função do teor político do jornal, da ideologia cooperativista, etc... Bom, voltando as fotos. Fazíamos também uma revista vinculada às cooperativas de produção agrícola chamada "Agricultura e Cooperativismo", distribuída em todo o estado, onde agricultores e técnicos da área mantinham uma interlocução com os colonos. Mas, como esta revista também circulava em Porto Alegre achamos que ela teria que ter a cara do colono tanto nos textos quanto nas imagens. Decidimos então que as imagens seriam capturadas com a utilização de lentes grande angulares mostrando de forma clara e nítida o seu ambiente, suas roupas de trabalho, sem lavar as mãos, sem a "domingueira". No máximo, decidíamos onde eles ficariam. Em frente a casa, num parreiral, na terra que estavam "carpindo". Nesta época trabalhavam comigo mais três fotógrafos: Luiz Abreu, Eneida Serrano e Genaro Joner, meu irmão de sangue também. Quando a revista deixou de existir, fui morar em uma cidadezinha do interior que fazia um jornalzinho sobre agricultores minifundiários para a região. Carazinho, nome de um peixe pequeno que vive em açudes, cidade à noroeste do estado. Foi uma escolha voltada para uma continuidade de um trabalho: fotografar colonos na sua intimidade, vivendo também essa intimidade. Os almoços fartos de produtos recém colhidos, cafés da tarde com mesa de toalha quadriculada, pão feito em casa, à beira do fogão a lenha. Casas de madeira, sapato enlameado na porta, meias de lã no chão sempre brilhando de tanta cera e tanto paninho. Em grupo já havíamos editado o "Santa Soja", primeiro livro de fotografia editado no RGS e textos do jornalista André Pereira dando uma clara (pré) visão dos acontecimentos políticos, sociológicos, ambientais na época do minifúndio e sua inevitável passagem para os rebelados sem-terra.
Foi no primeiro acampamento - Ronda Alta - onde senti que meu trabalho com esse tema havia terminado.
Como você reúne os estudantes de fotografia?
Tornei-me professora de fotografia acidentalmente há cinco anos e me apaixonei. Comecei a estudar. Graduar-se em jornalismo na minha época era apreender os rudimentos da fotografia; apenas me informei sobre a existência de uma prática imagética que se utilizava de uma intermediação fìsico-quimica para a expressão e impressão de uma realidade. No máximo, descobri que havia uma profissão onde eu poderia socializar minhas tentativas de pintora frustrada na infância. Quando voltei à universidade na condição de professora, quase 25 anos depois, descobri que as mudanças haviam sido mínimas. Quase inexistentes. A partir dá comecei a organizar meus conhecimentos empíricos - me considero auto-didata formada na escola erro-acerto-erro... Observando uma necessidade atual e crescente no mercado a qual também estive submetida, montei um formato de conteúdos curriculares que se estruturassem cumulativamente, até chegar a um produto final - mesmo através de extensões - o PORTFÓLIO. Entre os alunos do curso de Jornalismo, de Publicidade e principalmente de Realização Audio Visual, fui detectando os olhares que na sua forma mais pura foram aparecendo nos exercícios práticos. Quase sempre surpresos e felizes pela revelação desse talento ainda oculto e guardado, foram se apaixonado pela fotografia. Comecei a montar um grupo extra classe com no máximo 10 alunos que neste momento, aqui na UNISINOS – Universidade do Vale do Rio dos Sinos - se responsabiliza pela produção das fotos da revista "Primeira Impressão", produto do último semestre de jornalismo, o Khaos.
Também pelos espaços de exposição, o "Branco" e o "Vermelho" aprimoramento através de outros cursos e de olho nas oportunidades vão surgindo na área, sem falar em projetos, tipo "A pele rural".
Quais são as diferenças que você encontrou - tanto nas imagens e mesmo no estilo de vida dos trabalhadores rurais nos dias de hoje e há 30 anos atrás?
Os trabalhadores rurais mantêm seu estilo de vida, sua rotina dura diária, sua vida familiar menos estressada, seus valores mais sólidos. As grandes mudanças: acesso rápido à comunicação e, principalmente o controle da natalidade que é resultado de um conhecimento/informação que não existia. Acabou a era do rádio! Quanto às imagens, os meninos estão enquadrando com mais audácia, com uma autoralidade mais clara e definida para o seu pouco tempo de fotografia .
Ainda tem muita coisa escondida no Brasil?
Você quer saber se ainda há muito Brasil escondido por aí, não é? Com certeza! É um mundão muito grande e uma quantidade de olhares que ainda não dá conta nem do banal. Até porque mesmo o banal é infindável para fotografia.Todo recorte do real depende do repertório de quem vê. E os "olhos de ver" são infinitos.
Fala um pouquinho sobre o que é ser documentarista. Qual a diferença da linguagem jornalística?
A linguagem jornalística é mais rasa em função do tempo para se fazer determinada pauta ou por falta de espaço ou, ainda, por falta de decisão editorial. O documentarista precisa de muita pesquisa antes de começar seu trabalho de campo para conhecer com a maior profundidade possível o assunto do qual está tratando. Ter certeza de que não está reinventando a roda ou, no mínimo, que está entrando no seu assunto por um viés completamente inusitado. Num segundo momento tem de achar meios de aproximação seguros e sólidos para poder criar uma relação de respeito e cumplicidade com as pessoas envolvidas em seu trabalho, num processo de imersão e de troca. É uma via de duas mãos, de generosidade dos dois lados, de crescimento e solidariedade. Não se arranca nada. As coisas vão aparecendo, sendo descobertas, se entregando ao nosso olhar de acordo com nossa postura e merecimento. Ter tempo para tudo é, portanto fundamental. Um bom diário de campo é também importante para as coisas não se perderem, para saber em que parte do caminho estamos. E, principalmente, olhos bem abertos para as surpresas, para o acaso, o maravilhoso inesperado que inevitavelmente acontece no documentarismo.
E o Movimento dos Sem Terra, a questão fundiário no país, você acredita que houve mudanças?
Particularmente não sou a favor da violência. Venha do lado que vier. Particularmente, para minha tristeza, ainda não foram criados os mecanismos necessários para que uma reforma agrária aconteça. Ela depende além da divisão da terra improdutiva existente de uma infra-estrutura mínima para cada família: a casa a ser construída, os equipamentos para o plantio, sementes, insumos, custeio das lavouras e inclusive comida. A terra não dá seus frutos de um dia para o outro. O resultado do fracasso do atual governo nessa área - ainda mal assimilado - são estes acampamentos/favela e a violência que continua rolando por aí ...
Porque imagens em P/B?
É uma opção de linguagem. Meus trabalhos autorais são todos em preto-e-branco. Por ser uma linguagem mais difícil e precisa, ela se torna mais interessante: preto não é cor, é o contraponto da luz. Em algumas fotos bem atuais tenho escrito mais com o preto! E, em alguns casos é também uma linguagem mais dramática. Seu uso passa ainda pela questão do laboratório p/b que é um segundo momento de criação e principalmente de autoria do fotógrafo: suas impressões e o acabamento.
E por que o nome Pele Rural?
Pensamos em algum elo de ligação entre fotógrafos, colonos e a terra. Feeling, ternura, trabalho, o corpo.
Para você ter idéia, era uma briga para a produção convencer os meninos a usar botas. Queriam andar de havaianas ou descalços como os colonos... Pé na terra! A produção chamava a atenção e eu, coração partido,tinha que optar responsavelmente pela segurança.
Jacqueline Rosane Cardoso Joner – Jornalista, trabalha com fotografia desde o início dos anos 70. Atuou como free-lancer em diversos jornais do país e realizou trabalhos para diversas agências de publicidade. O primeiro livro de fotografia publicado no Rio Grande do Sul, Santa Soja, teve produção, edição e participação de Jacqueline. Entre suas exposições, destacam-se A Cor da Impermanência (1998), Os Colonos (1996), Retratos de Casamento (1990), Brilho Fugaz (1987) e O Funeral de Olinto Soiteira (1983). Seus trabalhos já freqüentaram o Museu de Arte do Rio Grande do Sul, o Museu da Imagem do Som (SP), a Bienal Internacional de Fotografia de Curitiba. Já participou de mostras em países como México, França, Nicarágua, Itália, Argentina, Rússia, Suíça e Portugal. É a coordenadora de Fotografia nos cursos de Realização Audiovisual e Jornalismo da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), no Rio Grande do Sul.
A Pele Rural faz parte da Imagens de RAIZ.